Desde junho do ano passado, com o o anúncio do Apple Vision Pro na WWDC23, a maioria das discussões sobre o produto (incluindo as que eu promovi) se concentrou em dois assuntos: o preço e a falta de uma utilidade prática para justificar a sua existência.
No artigo que escrevi sobre o que o Galaxy Z Fold5 pode nos dizer sobre o futuro do Apple Vision Pro, eu abordei esses pontos e comentei, em termos gerais, a expectativa das evoluções mais óbvias que devemos ver nos próximos anos na linha Apple Vision: mais opções de dispositivos, redução da barreira de entrada, avanço da tecnologia para resolver as limitações de peso, autonomia e tamanho, e maturação do mercado para encontrar os segmentos em que usar o headset se provará algo verdadeiramente produtivo, ao invés de ser uma excentricidade cara para entusiastas.
Pensando nessas limitações, dentre as múltiplas reações ao Apple Vision Pro que pintaram nas últimas semanas, talvez a de Marques Brownlee tenha sido a mais certeira.
Brownlee observou que as pessoas passaram os últimos anos reclamando que o mundo da tecnologia estava chato e sem novidades, e defendeu que o Apple Vision Pro é justamente a resposta da Apple para essas críticas 1.
Segundo ele, aqui está a empresa investindo em algo diferente, arriscado e divertido, em um segmento relativamente novo em comparação ao maduro mercado de smartphones — e isso é ótimo para a evolução tecnologia. Errado, ele não está.
Antes e depois
Se você ainda não assistiu aos vídeos do MacMagazine sobre o Apple Vision Pro, recomendo fortemente que você faça isso. Depois, vale dar uma espiada nas coberturas feitas pela sempre criativa Joanna Stern, pelo consistentemente cético Nilay Patel e, é claro, pelo obrigatório Marques Brownlee.
Quem assistiu a todos esses vídeos e, especialmente quem já vinha acompanhando as expectativas dessa galera toda em relação ao Apple Vision Pro, deve ter observado que existe um antes e um depois muito bem-definidos em relação às expectativas e às reações ao produto.
Se antes, as perguntas sempre circulavam em torno do preço e da utilidade, após o uso, todos parecem chegar à mesma conclusão: essas não eram as perguntas certas. Não porque eles tenham concluído que valha a pena pagar US$3.500 em um Apple Vision Pro. É óbvio que não vale.
A verdade é que ele não foi feito para eu ou você comprarmos.
Mas vale buscar uma chance de experimentá-lo?
Sem dúvida.
Nos vídeos do MM, tanto o Rafa quando o Edu falam mais de uma vez sobre como mesmo com o auxílio da captura de tela, é impossível mostrar ou até mesmo verbalizar a experiência imersiva proporcionada pelo Apple Vision Pro.
Pensando nisso, começa a fazer sentido que nem mesmo as limitações mais óbvias, como as aterrorizantes Personas, tenham sido suficientes para minar as quase unânimes boas impressões relatadas no primeiros reviews do Apple Vision Pro.
Seria fácil dedicar boa parte das análises ao quão terrível é a função Persona?
Sem dúvida.
Mas o que isso traria de novo frente ao que todos já sabemos e conseguimos ver?
Em todos os reviews, fica evidente que logo após o primeiro uso, vira alguma chavinha que torna as limitações do Apple Vision Pro quase irrelevantes, frente ao resto das possibilidades que ele inaugura.
Mais do que isso, em todos os reviews, cada um ao seu jeito, os criadores tratam o Apple Vision Pro como uma espécie de menu degustação das tecnologias e interações que inevitavelmente farão parte do cotidiano das próximas gerações.
E quando digo próximas gerações, não me refiro ao “Apple Vision Pro 2”, mas sim aos nossos filhos e netos.
Olhando sob esse espectro, se ater às limitações do Apple Vision Pro parece tão produtivo e míope quanto ter promovido debates sobre o tamanho de mainframes nos anos 1940, a real necessidade de alguém comprar um aparelho de TV para substituir o rádio em casa naquela mesma década, ou os artigos históricos que permeiam esse texto.
Computação espacial
Como parte do plano de comunicação que a Maçã preparou para diferenciar o Apple Vision Pro do resto da categoria de headsets imersivos, ela vem usando o termo computação espacial ao invés de realidade virtual, aumentada, mista, etc.
O que realmente significa computação espacial, nem ela sabe definir exatamente. E talvez esse seja o ponto. Neste momento, brincar de posicionar janelas 2D no ambiente 3D ao nosso redor pode parecer divertido e interessante, mas é comparável a ficar brincando com o multitouch ou com o acelerômetro do primeiro iPhone.
No caso do Apple Vision Pro, isso não reflete 1% do potencial de interação oferecido por um produto imersivo em que literalmente tudo é possível em três dimensões.
Com o tempo, e de forma natural, desenvolvedores e usuários identificarão o melhor jeito de lidar com interfaces em três dimensões, da mesma forma que nós evoluímos o uso dos nossos iPhones à medida que nos acostumamos com as possibilidades abertas pelo hardware.
Entregue um iPhone a uma criança hoje em dia e ela sequer notará 99% das tecnologias que, há apenas alguns anos, arrancaram aplausos da plateia no dia em que foram anunciadas.
Olhando para frente sob esse prisma, fica fácil imaginar que, na próxima década, todas as tecnologias embutidas no Apple Vision Pro parecerão igualmente corriqueiras.
E que saber? Sorte a nossa de ter a chance de testemunhar esse processo.
Por: Marcus Mendes
Link original da matéria:
https://macmagazine.com.br/post/2024/02/10/o-apple-vision-pro-e-o-melhor-fracasso-que-a-empresa-ja-lancou/